quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Eyes Wide Shut (De olhos bem fechados)

1999 - Drama - 159 minutos
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick e Frederic Raphael
Direção de Fotografia: Larry Smith
Montagem: Nigel Galt
Elenco: Tom Cruise, Nicole Kidman, Madison Eginton, Sydney Pollack
Distribuição: Warner Bros

   Eyes Wide Shut (De Olhos Bem Fechados no Brasil), é um filme americano-britânico, dirigido por Stanley Kubrick e estrelado pelo até então casal-na-vida-real Nicole Kidman e Tom Cruise. É baseado no conto Traumnovelle, de Arthur Schnitzler. Este é o último filme de Kubrick, que morreu pouco depois do fim da edição. Uma das belas canções do filme é a "Valsa 2" da Suite para Orquestra de Variedades, de Shostakovitch.



Análise da obra
Por Márcia Valéria

   “De olhos bem fechados” (Eyes Wide Shut), de Stanley Kubrick, foi baseado no livro Traumnovelle de Arthur Schnitzler, escritor austríaco contemporâneo de Freud. “Traumnovelle” (“Romance de Sonho” – “Dream Novel”).

   Este romance tem uma estrutura ambígua e onírica, em que realidade e sonho se misturam, se confundem sem fronteiras definidas, tanto os personagens quanto o leitor transitam entre o real e o imaginário, sem saber onde começa um e termina o outro.

   Este foi o último grandioso filme de Stanley Kubrick, ao qual percebemos mais uma vez a habilidade que ele tem enquanto artista, enquanto pensador que congrega uma instigante viagem na dialética da vida humana. Ele vai trabalhar este tema onírico inerente aos sonhos e a realidade vivente de uma maneira singular, vai nos levar a perceber e refletir sobre o universo inteiramente dialético.


O tema daobra sugere o quanto percebemos e o quanto deixamos de perceber a arte enquanto vida e a vida enquanto uma obra de arte inacabada, a estética da e na vida, enquanto arte de reconhecimento da essência do viver, sendo assim, ela está repleta de sonhos, vontades, desejos, alguns destes viáveis e vividos outros alimentados, acalentados mas nem sempre realizáveis.

   Junto a estes ensejos todos realizados ou não, existem os medos, os entraves, os delírios surreais. É a arte se refazendo enquanto obra divinizada pelas nossas mãos de artistas, sendo nós artistas ou não no sentido concreto do termo, mas com certeza somos artesões no sentido figurativo e/ou figurado, uma vez que nós realizamos nossas obras e elas têm a nossa cara.

   O filme tem início com o casal , Dr. William (Bill) e Alice Harford (Tom Cruise e Nicole Kidman) no banheiro, ela sentada no vaso sanitário urinando , enquanto ele transita pelo banheiro completamente indiferente, eles estão se arrumando para irem a uma festa requintada na casa de Victor Ziegler, cliente do Dr. William.

   Esta cena de abertura é a denúncia do marasmo do casamento, e este marasmo se mostra mais caracterizado quando Alice pergunta sem grande emoção a Bill sobre seu penteado, e ele sem olhar diretamente para ela, sem notá-la, de costas, a olha através do espelho e sem entusiasmo e lhe faz um elogio sem muita importância, sem muita significação, eles esperam a babá da filha chegar e saem.

   Esta cena primeira é a antítese das demais em nível crescente de emoções , sentimentos e impactos, sendo que da próxima cena em diante os acontecimentos vão se suceder afirmando-se e negando-se simultaneamente, mostrarão a total ambivalência da relação entre marido e mulher, da instituição do casamento, da sexualidade sem sabor, do desejo latente e manifesto, a ambivalência contida na dialética do vestir-se, do desnudar-se, do encobrir-se, do mascarar-se.

   Interessante é que o filme vai nos levando a perceber que tudo o que vai acontecendo tem haver com sentimentos, coisas externas que acabam colaborando para as novas percepções do casal frente ao erotismo, a sexualidade, a sensualidade latente e a manifesta, ao tesão que cada um experimenta e troca com o mundo de sua maneira particular, subjetiva e ambivalente.

   Os cenários e as nuances, que os envolve não é somente o cenário do dia a dia de um casal, dentro do lar ou cada um no seu trabalho ou numa distração familiar. É música, bebida, dança, depois o baseado e assim, percebe-se que durante todo o filme, no seu desenrolar estas situações exteriores, vão acabar sendo o estopim , ou o insight, para uma nova percepção interna de cada um, para o desabrochar de uma nova consciência de si próprio, da vida, da “realidade” mascarada do sentido de “normalidade” do dia a dia, só que esta “normalidade” que parece mas não é, “assexuada” é em algum momento questionada, delatada, deflagrada e flagrada.

O filme retrata também a morte tanto no sentido onírico, quanto no sentido emocional quanto no sentido físico. Bill é médico, portanto mais um dado da oposição latente vivenciada pelos personagens, e dos opostos complementares presentes o tempo todo no filme e na vida, se existe a vida , existe a morte, existe uma transformação total tanto na vida de quem fica como de quem parte, o estado se altera e para que exista o novo, o antigo deve morrer, morre permanecendo e se transformando, ocorre uma espiralização que não termina.

   Kubrick vai descortinar as mais variadas possibilidades de enxergar nossa vida real como num espelho,em que a imagem está invertida, é essa nossa realidade, ela é o fenômeno e não a essência da totalidade , é como quando olhamos a claridade da luz que a lâmpada emite aos nossos olhos, nós não enxergamos os feixes coloridos dessa luz, logo, vemos o fenômeno e não a essência, alguns de nós vão atrás dos feixes e é ai que reside todo o nosso conflito. Vivemos num mundo irreal, travestido de real, transitamos em meio as aparências e acreditamos ser elas o real, quando na verdade esta realidade aparente é subvertida, ela é permeada por uma espécie de véu que encobre, mas como é translúcido este véu, ele deixa passar um certo insight do que está por detrás dele. Como no relacionamento de Bill e Alice, e quando o conflito explode, quando por alguns instantes ou por algumas situações criamos uma espécie de “janela” e acabamos por enxergar o real real, ai o susto, ai o conflito, ai o clímax e a partir disso escolhemos qual caminho tomar.

   Numa primeira reflexão se poderia dizer que foi passada uma mensagem moralista quanto à instituição do casamento, que este deve ser mantido apesar de não dar conta de realizar todos os sonhos individuais, e que alguns devem ser censurados, reprimidos e sublimados para não abalar a estabilidade da relação. Porém, o filme revela o contrário: ele ressalta a importância do sonhar, a importância daquilo que desconhecemos em nós, nossas fantasias, nossas máscaras.

   Imoralidade é tentar confundir nossa consciência, colocar ordem e dar explicações para aquilo que ela própria desconhece. Imoralidade, traição é tentar controlar as situações, não é possível termos controle sobre nada nem sobre ninguém, isto é ilusão, não somos deuses, não somos onipotentes, quando bloqueamos nossos desejos, eles acabam nos dominando, mas sempre de forma equivocada, acabamos nos perdendo pelos caminhos que acreditamos que estamos escolhendo o melhor deles.

   O filme nos leva a perceber que desejos inconfessáveis sempre existirão, que nossa libido grita, que a sexualidade não é assexuada nos seres humanos, e no final quando resolvem optar pela continuação da relação, podemos dizer que este está sendo também mais um sonho que eles tentam sonhar juntos, que antes também até sonharam sonhos juntos e também separados, em sua individualidade.

   Agora se dali em diante, virará um pesadelo em algum momento ou não, somente eles poderão dizer se continuam com a “viagem de normalidade” e quando acreditam que as coisas podem se encaixar novamente, voltar a ser como era, quer dizer, não exatamente como era, uma vez que outras determinações históricas estão agora presentes, eles estão tentando, é outro novo recomeço, uma nova história a partir da antiga história, compartilhando de um novo sonho, “De olhos bem fechados”.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

jj

Joakim Benon, Kastlander Elin
Origem Suécia
Gravadora: Secretly Canadian



  jj lançou seu primeiro "single jj n°1" no início de 2009 (é possivel escutar e fazer download de "my life, my swag" logo abaixo).

  Meses depois ao primeiro single, lançaram seu álbum de estréia "jj nº2". Tanto o primeiro single como o álbum receberam boas classificações pelo Pitchfork Media (Nova Inclusão e Melhor Música, com as classificações de 8 e 8,6, respectivamente). Neste mesmo sitie, o album "jj nº2" ficou 35º posição de melhor do ano de 2009.

jj - my life, my swag by leftyletty

   Com o seu álbum de estréia ("jj nº2"), eles conseguiram entrar em várias lista de melhores álbuns na internet, quando ficaram mais conhecidos mundialmente. As músicas "Ecstasy"  e "Things Will Never Be the Same Again" foram as mais divulgada deste álbum.

jj - Ecstasy by palidor
jj - Things Will Never Be the Same Again by fuvi

   Em 24 de dezembro de 2009 a banda assinadou com a gravadora americana Secretly Canadian, ao mesmo tempo em que a data de lançamento para "jj" segundo álbum foi discutida. O álbum, chamado "jj n°3" , foi lançado nos Estados Unidos e na Suécia em 09 de marco de 2010.

   O primeiro single de trabalho foi "Let Go". Considerada uma das melhores do album. Sem querer fazer apologia a lagum tipo de droga ilícita... enfim... Tamém é possível conferir o vídeo da música "You Know", ao qual conta a história de um amor frustrado de uma adolescente por um rapaz com penteado de unicórnio.


jj - Let Go from The Line Of Best Fit on Vimeo.




   Em abril de 2010, uma nova faixa misteriosa "jj" veio à tona, cortesia da gravadora sueca, Sincerely Yours. No rótulo deste mp3 apenas esta mensagem: "aqui é para aqueles momentos das ilusões de um colapso de separação. Nós somos um, somos vida. Temos laços mais fortes que o sangue. cin cin ". Esta faixa intitulada por "aniversário CEO", é retrabalho etéreo de 2009's de Jeremih, uma das canções "jj" mais simples e mais bela até à data. Faça o download neste LINK. Um vídeo foi feito com essa música:



   De março a abril de 2010 fizeram turnê nos Estados Unidos com os britânicos da banda "The xx" . Após a turnê pelos EUA, "jj" fez uma turnê menor através da Europa com shows em Itália , França e Bélgica , entre outros. 

   Na sequência de "jj n°3", fizeram uma mixtape chamada Kills. Ele foi lançado como um download gratuito em 24 de dezembro, no site Sincerely Yours. É possível baixar AQUI. O primeiro single  intitulado "Let Them" foi lançado 12 de outubro. Também é possivel conferir o vídeo do cover "No More You", original do rapper "The Dream"


yours0158 from Sebastian Järnerot on Vimeo.


NO MORE YOU from JJ 4-EVER on Vimeo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Vik Muniz (VM)

 
   Com obras nos principais museus de arte contemporânea do mundo, como o Metropolitan, o Whitney, o MoMA, de Nova York e o Reina Sofia, de Madrid, Vik Muniz, artista plástico brasileiro conhecido no mundo inteiro, consegue utilizar a fotografia como meio de representação de um diálogo com a História da Arte, que chega ao entendimento de todos pela simplicidade dos materiais que utiliza, quebrando a idéia de que arte é algo que só quem lida com ela entende.

   Paulistano radicado nos Estados Unidos desde 1983, Vik Muniz deixou o país após levar um tiro na perna ao tentar apartar uma briga em um bar de São Paulo (um dos brigões bancou a viagem como uma espécie de indenização). Hoje dividido entre Nova York e Rio, no entanto, nunca teve uma temporada de tanta atividade por aqui. A retrospectiva Vik, por exemplo, atraiu 200 000 pessoas ao Masp. Encerrou 2010 com um projeto ambicioso: um catálogo raisonné que abrange toda a sua produção ao longo de 22 anos.

   Um vídeo do artista mostra um pouco a exposição que percorreu o Brasil em 2009/2010 e que depois se transformou no livro retrospectiva "Vik"



Considerações sobre o autor
Por Affonso Romano de Sant’Anna 

   A exposição de Vik Muniz mexe numa série de questões: o reencontro da arte com o público; o reencontro com a figuração; o reencontro com o social-histórico; a desmistificação da falsa querela entre fotografia e pintura; e a superação das “in-significâncias” que caracterizam grande parte de obras “contemporâneas”.

   A essas se seguem outras questões igualmente instigantes. Algumas pessoas ao verem sua exposição ficam sem saber como classificá-lo. Criador ou re-criador? Teria ele descoberto (como ocorre com alguns artistas hoje em dia) alguns “truques” e “macetes”, que repete, ou supera esse vício da arte do nosso tempo?

   1. Sua exposição realiza o reencontro do público com a arte. Isto é raríssimo hoje em dia. O que tem caracterizado certas mostras é aquilo que Jean Clair – crítico de arte de maior prestígio na França – chamava de “multidões sonâmbulas”. Ir a museu virou uma variante do turismo. Pessoas vagando entre obras que não entendem sem conseguir compatibilizar as bulas oferecidas com o produto exposto. Ou então, propostas de interatividades entre a in-singificância e a idiotice. VM consegue a empatia e a admiração do público e a atenção de críticos.

   2. Essa exposição derruba outra falácia “contemporânea”: de que a figura acabou/a representação morreu. Neste sentido, VM superou essa espécie de querela entre os atuais “protestantes” (contra figura) e os atuais católicos (pela representação).

   3. Coloca mais uma pá de cal na equivocada querela entre pintura e fotografia. Se há cerca de cem anos uns achavam que a fotografia mataria a pintura, a obra de VM inscreve um capítulo nessa novela que poderia ter um título: quando a fotografia ressuscita a pintura, o quadro e o painel. Aqui a fotografia está dialogando com várias artes vizinhas: a escultura, o desenho, a pintura, a gravura, etc. O fotógrafo não compete com outros gêneros, mas soma-os ao seu fazer.

4. Ao contrário de in-certas manifestações “contemporâneas”, as obras de VM têm um sentido social, histórico e político. Trabalha com imagens de favelados, com ícones de nossa cultura, com fatos jornalísticos, faz uma crítica clara ao momento histórico e à sociedade de consumo, além de se envolver pessoalmente em programas sociais. Retomando a já clássica e incontornável relação entre lixo & luxo, diverge da arte produzida nas últimas décadas que exercitava um tipo de niilismo e alienação. Sua exposição, já no princípio mostra, criticamente, aquele mapa do mundo onde os continentes são representados por computadores e peças eletrônicas amontoadas e outros dejetos da cultura moderna.

   5. VM dialoga com a arte “anterior”, não para ridicularizá-la juvenilmente, mas para reinscrevê-la, metamorfoseá-la no tempo & espaço. Desenvolve um trabalho de paráfrase, paródia e de estilização de obras de Caravaggio, Goya, Monet, Gauguin, Piranesi, Boticelli, Bosh, etc. (Por vício acadêmico alguém pode querer chamá-lo de pós-moderno.) É curioso notar, contrastivamente, que se alguns artistas do princípio do século 20 queriam queimar museus e jogar a arte anterior no lixo, no final do mesmo século, como se tivessem juntando as contradições, outros artistas, como VM, não pregam a ruptura, mas vão ao passado com olhos no presente & futuro para reprocessar, reciclar conteúdos e conceitos.

   Neste sentido, diria que é um “comentarista” da arte de ontem & hoje, pois está relendo várias obras clássicas à sua maneira, “refazendo-as”, “reinterpretando-as” com materiais pouco convencionais. Ao retomar os “antigos”, ele está não apenas revisitando, mas “reilustrando” a história.

   E aqui a palavra “ilustração” tem sua pertinência. Há algo de ilustração no sentido jornalístico do termo. E talvez aí esteja, ao mesmo tempo, tanto a força quanto os riscos de suas obras. Se alguns de seus trabalhos aparecessem como ilustração em jornais e revistas, funcionariam perfeitamente. E o caráter jornalístico e documental é tão evidente, que ele trabalha também sobre fotos & fatos da imprensa. Deve ser neste aspecto que algumas pessoas têm dificuldade em qualificá-lo, apesar de seu êxito de crítica, de público e de venda. Em contrapartida, pode-se também indagar se certas ilustrações em revistas e jornais, se certas vitrinas de lojas, se certos anúncios não transcendem também o provisório e não mereceriam a perenidade dos museus.

   6. Do ponto de vista estrutural & estruturante da obra de arte, VM vai na contramão de outro vezo contemporâneo: a entropia, a fragmentação, o improviso, o rascunho, o recorte, a dispersão, o aleatório, o acaso. Ao contrário, está ordenando a desordem, a confusão, a ambiguidade e a indecisão. E, enquanto outros artistas se perdem entropicamente nos fragmentos, ele está fazendo a “reunião”, conforme uma noção heideggeriana de arte como “reunião relevante e/ou revelante”. Enfim, onde outros dispersam, ele aglutina, onde outros se confundem, ele se esclarece. VM está reunindo as partes em função do todo, o átomo em função da matéria, o pigmento em função da imagem e do assunto. Oferece uma visão gestaltiana do caos, ordenando-o, mostrando-o pelo seu avesso.

   7. Daí outra característica essencial de seu trabalho. E a palavra “trabalho” aqui faz sentido. Nele há técnica e criatividade. Onde outros praticam aquilo que no livro O Enigma Vazio, Impasses da Arte da Crítica, chamei de “irresponsabilidade estética e a estética da irresponsabilidade”, esse é um autor que não apenas se insere no seu tempo & espaço históricos, mas tem métier, pesquisa e desenvolve um projectum. Seu fazer tem uma “estrutura”, em que a “invariante” é o fragmento e as “constantes” são os diversos materiais que usa para preencher o conjunto.

   8. Poder-se-ia alegar que ele utiliza técnicas mais velhas que a Sé de Braga. Com efeito, nas procissões religiosas em Ouro Preto ou São João Del Rey, para ficarmos apenas no Brasil, as ruas são decoradas com pétalas de flores, utilizando uma técnica pontilhista. Igualmente, os que fazem desenho com areia colorida dentro de garrafas, como no Ceará, ou até mesmo aqueles artistas de calçada que, em Nova York e Paris, desenham nos passeios surpreendentes cópias de quadros que estão nos museus, tudo isto tem a ver com a obra de Vik Muniz.

   Igualmente o ilusionismo, as anamorfoses que no barroco conhece/eram seu apogeu, podem ser lembradas em relação a algumas de suas obras. É até possível que alguém queira chamá-lo de neobarroco, como se tornou moda dizer nos últimos 40 anos. Com efeito, olha-se a obra, e de longe se vê uma coisa, de perto se vê outra , e as duas visões se informam, a informação se complementa até pelo avesso. Mas o seu ilusionismo, reconheça-se, produz efeito, não é um jogo gratuito, mas resulta em nova informação e sensibilização estética. Não tem nada a ver com a falsa equivocada pregação duchampiana da “indiferença”.

   Em síntese, a obra de VM sendo de certo modo sintoma de sua época, por outro lado, se opõe ao que tenho definido como “in-significância”. Ou seja, grande parte das obras expostas em galerias, museus e festivais tipo Documenta Kassel, são “enigmas vazios”. São exercícios falaciosos que, se chamam a atenção, devem isto à estratégia de marketing da espetacularização.

Dou um exemplo, apenas um, das correlações possíveis entre as obras de VM e outros “contemporâneos”. Consideremos as obras de Daniel Spoeri, lá nos anos 60. No afã de ter que inventar sempre algo de novo e/ou diferente, lançou ele um tipo de arte ligada à comida – a eat art (arte comida), que consistia em expor pratos com restos de comida deixados às vezes até a podridão. Uma típica “in-significância” como tantas outras.

No caso de VM ele retoma a ideia, não a coisa. O que ele expõe não é apenas o chocolate representando uma figura nem o macarrão parodiando a Medusa de Caravaggio, mas a representação, a fotografia da ideia. Ou seja, enquanto em outros (como na “land art”) o espetáculo é a obra, no caso de VM a obra é espetáculo. Vamos a um exemplo do que digo: uma coisa “in-significante” é encher um caminhão de lixo e espetaculosamente despejar os dejetos dentro de uma galeria de arte, com já foi feito na França e outros países; outra, bem outra, é trabalhar sobre o lixo, reprocessá-lo teórica e tecnicamente. Enfim, a matéria bruta não é necessariamente arte. Arte é transformação, melhor ainda, transfiguração.

   VM dá a sensação de descontração, de liberdade, de estar centrado num trabalho consequente. Picasso falou aquela frase de efeito que é apenas parcialmente verdadeira: “Eu não procuro, eu acho.” De VM se poderia dizer que ele encontra, porque procura com atenção, paciência e criatividade.